O impulso inicial que muitos anos depois resultaria neste livro foi definido por Silvia Rivera Cusicanqui como uma angústia identitária ou nostalgia ancestral . Ao buscar as próprias origens familiares no Altiplano boliviano é que a autora acabou mergulhando no mundo andino. Essa investigação incialmente individual derivoi em uma sólida carreira acadêmica dedicada a desvendar os nexos entre a história do passado e os dilemas do presente, com os pés fincados na história oral, na análise e na produção de imagens sobretudo depois da constatação das insuficiências comunicacionais do texto escrito em um país como a Bolívia. Adotei como profissão de fé que a descolonização só pode ser realizada na prática mas uma prática reflexiva e comunicativa, fundada no desejo de recuperar memória e corporalidade próprias , escreve Cusicanqui. Então, como consequência, essa memória não seria apenas ação, mas também criação, imaginação e pensamento. Ricamente ilustrado, Sociologia da imagem analisa em profundidade a obra dos artistas (ou sociólogos da imagem) Felipe Guamán Poma de Ayala, Melchor María Mercado e Jorge Sanjinés, além de mergulhar na imagética produzida pelos líderes do Movimiento Nacional Revolucionario (MNR), que assumiu o poder no país em 1952. Sociologia da imagem continua com ensaios sobre a criação de uma episteme própria dos povos andinos, trazendo ainda informações metodológicas e entrevistas em que a autora esmiúça pontos centrais de seu pensamento. Trata-se de um clássico instantâneo do pensamento latino-americano, finalmente traduzido ao português. *** O trabalho de história oral rompia com o mito de comunidades indígenas subsumidas no isolamento e na pobreza e enclausuradas em um passado de imobilidade e penumbra cognitiva. Esse discurso foi o fundamento de uma longa cadeia de ações civilizatórias, às vezes muito violentas, que continuam vigentes sob roupagens enganadoras, como o discurso do desenvolvimento 11 ou da erradicação da pobreza . [ ]Alison Spedding me havia dito que a antropologia é uma sociologia aplicada a uma sociedade ou um grupo estrangeiro, enquanto a sociologia é uma antropologia aplicada à nossa própria sociedade. A sociologia da imagem seria, então, muito diferente da antropologia visual, já que nesta se aplica um olhar exterior a um outro , e naquela o observador olha a si mesmo em seu próprio entorno social. Na antropologia visual, necessitamos nos familiarizar com a cultura, com a língua e com o território de sociedades outras, diferentes da sociedade eurocêntrica e urbana da qual os pesquisadores geralmente são oriundos. Pelo contrário, a sociologia da imagem supõe uma desfamiliarização, uma tomada de distância do que é arquiconhecido, do imediatismo da rotina e do hábito. A antropologia visual se funda na observação participante, por meio da qual o pesquisador participa com o fim de observar. A sociologia da imagem, por sua vez, observa aquilo do qual já participa; a participação não é um instrumento a serviço da observação, mas seu pressuposto, embora se faça necessário problematizar seu colonialismo/elitismo inconsciente. Silvia Rivera Cusicanqui