Peço café preto, ele, chá. Gratos pelo alvoroço das mesas vizinhas, nos perdemos nas conversas alheias, participamos do desassossego de estranhos, guardamos segredos que não nos dizem respeito. Sigo os passos de uma garçonete e depois fixo a chuva miudinha que cai na vidraça e vai se empoçar na sarjeta. O chuviscar, fruiria sua paisagem móvel por horas a fio. E Orfeu bem sabe. Ele terminou seu chá. Não toquei no meu café. Entre nós, persiste o pequeno abismo desta xícara de café. Entre duas pessoas, há sempre um pequeno abismo (às vezes, grande), que pode se transferir da xícara para um livro, para o esquecimento, para uma terceira pessoa, para preconceitos, para um horizonte de expectativas, para medos, para pensamentos calados. Por acaso, agora, no interior deste pequeno abismo, há um tantinho de café preto. A noite materializada em alguns goles amargos. Derramo leite para turvá-la e o caos dos meus sentimentos. Marca: Não Informado