Neblina

O segredo do encanto de Neblina provém, em parte, do trabalho marcante e cuidadoso com as palavras, como irá perceber o leitor, desde já convidado a comprová-lo. Marcante e cuidadoso, mas também lúdico e, por vezes, irreverente, como é costume, desde sempre, na arte dos poetas. Mas o segredo maior está na intimidade de poemas que contemplam aspectos e angústias da vida de agora. Por exemplo, o viver e o tempo, ou o viver no tempo: um tempo presente aceitável parece carecer de algo do passado; o presente estará enriquecido com um pouco do passado perdido, dizem alguns dos poemas. A utopia palavra só de poucos poemas do livro, mas adivinhada em muitos representa um pouco de futuro no presente. Eco simbólico do insigne artesão das palavras no livro Neblina, o poema [Neblina], resultado de fino artesanato, reflete o claro-escuro de muitos dos poemas. O nevoeiro esconde, mas também revela; a neblina que se dissipa parece dar mais brilho à claridade. Muitos outros ecos são ouvidos em Neblina, destacando-se o torturado, elaborado e tocante [Poema bandido]. O livro de estreia da autora, Outono desperdiçado, oferecera muito de um lirismo reflexivo do tempo sombrio de reclusão forçada na pandemia. Os mistérios e segredos da poesia lhe eram familiares por seu longo convívio com o tema, inclusive profissionalmente. O novo livro avança em liberdade temática e riqueza de expressão.