Comunistas, vermelhos, esquerdistas foram alguns termos cunhados pejorativamente sobre aqueles que simpatizavam com alguns dos conceitos-chave do socialismo. Ainda alvo de crítica era a postura ateísta dos regimes dos países socialistas, o que em alguns deles resultou na perseguição, repressão e controle das igrejas e crenças locais. Como conjugar religião – sem considerá-la o ópio do povo – e um regime que tem em sua base justamente o governo em prol do povo? Frei Betto tenta responder a essas e outras perguntas em uma série de textos – que vão do ensaio à crônica, do diário à reportagem – que registram um panorama do socialismo na visão dos dirigentes e da população de países que adotaram esse modelo em ’Paraíso Perdido: Viagens ao Mundo Socialista’.
A coletânea reúne relatos de viagens e incursões de Frei Betto pelos bastidores dos países socialistas, de 1979 a 1992, período politicamente decisivo em termos internacionais, num cenário que mostrava a transição das ditaduras militares para uma democracia ainda sofrida na América Latina, o recrudescimento da Guerra Fria nos anos 1980, o enfraquecimento do socialismo – e a abertura de países-chave do regime como a China e a União Soviética para o mundo – e a adoção de um modelo político e econômico com viés neoliberal a partir dos anos 1990.
Frei Betto foi espectador privilegiado e ator de acontecimentos importantes da política brasileira e internacional. De Cuba a Nicarágua, da China à antiga União Soviética, passando por países como ex-Alemanha Oriental e ex-Tchecoeslováquia, ele presencia arranjos políticos e atua fortemente na crítica e revisão da visão negativa da religião adotada pelos regimes socialistas. Tornou-se amigo de Fidel e Raúl Castro, esteve com Gorbachev, Lech Walesa e Hugo Chávez, questionou o ateísmo comunista e demonstrou o caráter libertador da fé cristã.
Cuba tem um destaque especial no livro. Foram mais de vinte viagens. Ali, Frei Betto se encarregou da difícil missão de aproximar Igreja e Estado. Um relacionamento que foi encorajado pelo próprio Fidel Castro. Suas viagens renderam uma longa entrevista – foram nada menos que 23 horas de conversa – com Fidel, que resultaram no livro Fidel e a religião.
A dicotomia fé x ideologia permeia toda a narrativa. Para Frei Betto, é possível conjugar esses dois fatores vistos como antagônicos. Lúcido, Frei Betto sustenta suas críticas ao socialismo e tenta entender as razões do fracasso do modelo – como a estatização da economia, que não permitiu a modernização dos bens de capital e o monopólio do partido único, beneficente e paternalista, que inibiu os mecanismos de participação democrática e suprimiu o pluralismo político – mas sem abrir mão do que a ideologia tentou promover de positivo: “Admitir o fracasso completo do socialismo real é desconhecer suas conquistas sociais – sobretudo quando consideradas do ponto de vista dos países pobres ou em vias de desenvolvimento – e aceitar a hegemonia perene do capitalismo, que reserva a vastas regiões do planeta, como a América Latina, opressão e miséria.”
‘Paraíso Perdido’ é um relato lúcido e corajoso do fim de uma era, escrito por quem não perdeu a esperança por um mundo melhor.