Nestas histórias pelotenses, Lourenço Cazarré confronta as condições extremas de corrosão e miséria regidas pela decadência – “O cavaleiro”, “A arte excêntrica dos goleiros”, “O homem que amava os clássicos russos” –, como também injustiças ditadas pelos desconcertos do mundo – “No incêndio da tarde”, “Meia encarnada dura de sangue”. Há ainda outros confrontos, não menos cruéis, de amor e desamor – “Ilhados”, “Menino tranquilo nos braços do pai” – e realidades ainda mais exasperantes – “Animais do banhado”, “Um só corpo, corcovado e imenso”. A exemplo do Simões Lopes Neto dos Contos gauchescos e seus “causos” ora trágicos, ora líricos e humorísticos, este outro grande contista pelotense chamado Lourenço Cazarré em si mesmo se desdobra (são muitos os seus narradores) sem nunca distanciar-se do seu torrão natal. Neste livro estão reunidos trabalhos presentes nos seis primeiros livros de contos do autor, publicados entre 1984 e 2012. Todos eles têm como cenário – explícito ou não – a cidade de Pelotas, sua gente, seu clima. Na maioria são histórias de solidão, melancolia, medo e morte, mas também há espaço para o humor e a poesia. São causos de perseguições e cercos, de encontros e desencontros, de desesperos e crimes de paixão, nos quais o suspense campeia sob o teto de uma áspera poesia. A linguagem febril acaba por potencializar o sentido trágico da vida. Ao criar histórias que se passam na sua cidade, o autor pinta um mundo de reflexão, sem vozes festivas, mas de intensa palpitação, perturbador, e marcado pela agônica luta do homem. Como já se definiu como um contador de histórias, Lourenço Cazarré não abre muito espaço em seus textos para concessões a novidades temáticas ou formais. Suas características mais fortes são a prosa marcadamente poética e a busca da mais convincente expressão coloquial.