Dois copistas parisienses, Bouvard e Pécuchet, herdam uma fortuna e decidem se retirar para o campo. A partir daí, passam a devorar livros e tratados sobre tudo o que encontram pela frente — agricultura, medicina, filosofia, pedagogia, religião, arqueologia — para em seguida aplicar, com entusiasmo e desastres garantidos, cada novo conhecimento adquirido. O que começa como uma fábula simples logo se transforma em uma sátira monumental: Flaubert cria, nesse seu projeto derradeiro, um romance enciclopédico sobre a tolice humana, um inventário das ideias feitas e da incapacidade de compreender e transformar a leitura em experiência de vida. Se Madame Bovary revelou os falsos sentimentos de Emma, em Bouvard e Pécuchet encontramos dois homens de falsos saberes. Copiadores por profissão, acabam por copiar também as ideias e métodos alheios, sem jamais alcançar a autenticidade. Mas é justamente nesse fracasso que reside a força da obra: ao encenar a repetição, a cópia e a biblioteca infinita, Flaubert antecipa a literatura moderna e desmonta a pretensão de toda verdade absoluta. Mais de um século depois, a “epopeia da idiotice” permanece estranhamente atual. Em tempos de redes sociais, de certezas superficiais e de opiniões instantâneas, Bouvard e Pécuchet soam como espelhos da nossa própria incapacidade de distinguir entre saber e caricatura do saber. Sua ingenuidade, ao mesmo tempo trágica e cômica, nos convida a refletir sobre os limites da leitura, sobre a loucura de querer abarcar o mundo pelos livros e, sobretudo, sobre a insistência da literatura em sobreviver no vazio do “nada” que Flaubert tanto buscava.
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