A busca de um físico e diplomata brasileiro por sua ancestralidade na Guiné-Bissau e por uma nova identidade no tempo e no espaço Em 2010, o físico paraibano Ernesto Mané embarca numa travessia geográfica e afetiva para realizar um antigo anseio: conhecer a família paterna na Guiné-Bissau. Ele sai dessa experiência de alguns meses profundamente transformado. Quinze anos depois, o agora diplomata de carreira e cidadão guineense dá forma literária a seu diário da viagem neste Antes do fim, que chega às livrarias pela Tinta-da-China Brasil. Nas palavras do escritor e curador angolano Kalaf Epalanga, que assina o texto da orelha, o livro é uma “obra rara”, em que “a grande tragédia africana é narrada na mesma frequência de autores como Ta-Nehisi Coates ou Mia Couto”. Hospedado na casa de uma tia em Bissau, o narrador aguça a escuta para aprender com as tradições e crenças de seus avós, tios, irmãos, primos e sobrinhos, enredando-se em seu dia a dia. Vai até o interior para visitar os avós, que vivem em condições precárias em uma bolanha, uma plantação de arroz. O futuro diplomata atua como mediador dos conflitos de seus familiares, marcados pelo abandono de um pai que jamais está lá, mas parece estar sempre presente. O tom vai do otimismo com o potencial cultural e político do país ao desalento diante do destino trágico da África pós-colonial. Mané muitas vezes sente-se impotente. Para sua surpresa, nas ruas de Bissau é tratado como branco pela primeira vez, por seu modo de se vestir, falar e se comportar. Depois da viagem, entre laboratórios, centros acadêmicos, postos diplomáticos e aeroportos pelo mundo, Mané elabora suas respostas para o velho preconceito racial guardado nas memórias de infância. Na tentativa de resistir a essa violência histórica e reconstruir uma identidade esfacelada pela diáspora africana do século xx, o filho se aproxima do pai. Entre as resoluções tomadas na viagem está o pedido da dupla cidadania guineense e brasileira. As questões mais íntimas se desdobram em reflexões filosóficas e universais quando o autor se pergunta quem é, de onde vem, para onde vai — e para onde se vai como corpo negro no mundo. Numa escrita sóbria e sensível, que se move com naturalidade entre o diário de viagem, a memória e o ensaio, Mané busca seu próprio “t = 0”, o tempo zero da física, para fundar um espaço de pertencimento e reconciliação.
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