Um verme sob a pele. Um cadáver maquiado com carinho. Um bebê chorando enquanto o mundo desaba nas redes sociais. Nos contos de Aberrações, Matheus Graf se debruça sobre o que há de mais incômodo na experiência humana o corpo, o desejo, a ambição, o fracasso para construir narrativas que oscilam entre o horror psicológico e o grotesco, com maestria narrativa rara. Como nos melhores contos de Samanta Schweblin e Mariana Enriquez, aqui o real é atravessado por fissuras surreais e pelo desconforto, como se a qualquer momento a lógica do cotidiano pudesse ser tomada por um absurdo ameaçador. Mas há também ecos do melhor de Stephen King não no terror épico, mas na exploração minuciosa de personagens comuns diante do extraordinário, da corrupção lenta, daquilo que apodrece por dentro. Em O Verme, um conto de abertura de tirar o fôlego, uma simples coceira no rosto se transforma numa experiência corpórea nauseante, que esconde camadas de paranoia, inveja e autopunição. Em Titia, o que parece um cuidado póstumo se revela uma farsa bem encenada: um sobrinho leva o cadáver da tia ao banco para garantir uma herança, num retrato ácido de dependência, oportunismo e encenação afetiva. Já Publi é um espelho distorcido da nossa era digital, onde influenciadores vendem corpo e alma em busca de engajamento e aprovação, numa espiral de horror moral e exposição crescente. Graf é um contador de histórias ousado. Seus personagens transitam por cenários sórdidos e situações grotescas, mas nunca gratuitamente. Cada conto é uma pequena dissecação das tensões sociais, dos afetos mal resolvidos, das neuroses coletivas como quem sabe que só escancarando nossas aberrações é possível entender o que há de mais humano em nós. Preparese para rir, se enojar e estremecer. Aberrações é um daqueles livros que, uma vez abertos, continuam se mexendo por dentro da gente.
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